Década dos oceanos?: o apagamento da temática ambiental marinha no ENEM, na UERJ e na BNCC

Abstract

Com a chegada da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021- 2030), o estímulo para repensar a relação da humanidade com esse ecossistema em específico foi marcado. As avaliações externas e em larga escala do Brasil possuem, dentre outros propósitos, o objetivo de estabelecer diagnósticos sobre a educação básica e superior brasileiras. Desta forma, o presente trabalho teve como proposta (i) analisar como as ciências do mar aparecem em questões e temas de redação de duas provas nacionais (Exame Nacional do Ensino Médio - Enem e Vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ) dos anos de 1999 até 2023; (ii) identificar na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio (EM), homologada em 2018, textos que abordem os mares e (iii) refletir sobre possíveis meios para que o Programa Nacional do Livro Didático do EM, a partir dos Projetos Integradores (PI), e a Educação Ambiental abordem o tema de forma efetiva. Após a determinação das palavras chave, a busca foi feita em todas as áreas de conhecimento das 47 provas. Das 6.712 questões, apenas 1,95% e 2,12%, respectivamente, Enem e UERJ, foram consideradas como relacionadas aos oceanos e selecionadas para uma categorização feita com base na metodologia de análise do conteúdo. O Enem apresentou questões sobre dinâmicas oceânicas, atividades extrativistas e temas ecológicos em maior preponderância que a UERJ. Em contrapartida, a UERJ apresentou uma ênfase maior em fisiologia e anatomia, e em questões que retratam localização e um caráter emocional-simbólico-afetivo. Apenas dois temas dos 50 propostos de redação - pela soma das duas provas - abriram espaço para discutir sobre o oceano. Apesar de ter sido identificado o aumento significativo (p < 0,05) em questões da UERJ abordando as ciências do mar, o mesmo não ocorreu com o Enem, tendo, inclusive, uma tendência à diminuição. Esse resultado pode ter relação com a pandemia da COVID-19, durante a qual a UERJ adotou um único exame para o ano, ao invés de duas fases objetivas na primeira etapa e um exame discursivo específico na segunda etapa. No Enem houve um aumento em mais de 200% do número total de questões, o que pode ter diluído a presença da temática no exame. As ciências do mar possuem um caráter amplo e transdisciplinar, por isso esperava-se que estas avaliações em larga escala refletissem mais sobre isso, além do esperado reconhecimento da sua importância e visibilidade internacional face a uma década focada na compreensão e promoção da importância desse ecossistema. Isso parece estar relacionado à ausência da temática no currículo, dado que a busca realizada na BNCC do EM, que contou com as mesmas palavras chave, não identificou competências ou habilidades diretamente relacionadas ao mar. Com base nos dados aqui obtidos, este estudo destaca que há espaço na EA e nos livros didáticos relacionados à PI para os professores desenvolverem uma apreciação das ciências oceânicas nas escolas. No entanto, alcançar este objetivo depende fundamentalmente da iniciativa dos docentes, da gestão escolar e da utilização de abordagens integradas em todas as disciplinas.

The official launch of the United Nations Decade of Ocean Science for Sustainable Development (2021-2030) highlighted the opportunity to rethink humanity's relationship with this key global ecosystem. Brazil's external and large-scale assessments have, amongst other purposes, the aim of nationally and internationally ranking Brazilian school and university education. The aims of this study were, therefore, (i) to analyze how marine sciences are represented in questions and essay topics included in two exams (Exame Nacional do Ensino Médio – Enem, and Vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ) between 1999 and 2023; (ii) to identify texts that address the oceans in the National Common Curriculum Base (BNCC in Portuguese) for High School (HS), released in 2018, and (iii) to reflect on possible means for the National Textbook Program for HS, based on Integrative Projects (IP) and Environmental Education (EE), to address this important topic effectively. After determining appropriate keywords, the search was carried out in all the areas of knowledge of the 47 exams. Among the 6,712 questions, only 1.95% and 2.12% from Enem and UERJ, respectively, were considered to be related to the oceans and were selected for categorization based on the content analysis methodology. Enem questions emphasized ocean dynamics, extractive activities and ecological themes to a greater extent than those of UERJ. In turn, UERJ questions placed greater emphasis on physiology and anatomy, and on issues that portray location or were expressed through the media and arts. Only two topics from the 50 proposed essays - based on the sum of the two exams - provided opportunity to discuss the ocean. Although a significant increase (p < 0.05) over time was identified in UERJ questions addressing marine sciences, Enem questions rather had a tendency to decrease. This result may be related to the COVID-19 pandemic, in response to which UERJ has adopted a single exam in the recent years, replacing the two objective phases in the first stage and a specific discursive exam in the second stage. In Enem there was an increase of 200% in the total number of questions over the period analyzed, which may have diluted the presence of the topic in the exam. As ocean science is a broad and transdisciplinary topic, it was expected that these large scale exam assessments should reflect it more appropriately, in recognition of its importance and international visibility in the face of a decade focused on understanding and promoting the importance of the oceans. This lack of inclusion may be related to its absence in the formal curriculum, as a search carried out at BNCC using the same keywords did not identify skills or abilities directly related to the ocean. Based on the data obtained here, this study highlights that there is room in EA and IP-related textbooks for teachers to develop an appreciation of ocean science in schools. However, achieving this fundamentally relies on the initiative of teachers, school management, and use of integrated approaches across all disciplines.