Educação para a justiça ambiental?: análise de discursos sobre a questão hídrica em livros didáticos de ciências utilizados na rede municipal de Queimados/RJ

Abstract

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa realizada a partir de análises documentais e tendo como perspectiva teórico-metodológica a Análise de Discurso (AD). O questionamento geral que a suleou é: como os sentidos dados à temática ambiental, produzidos/ratificados nos discursos presentes nos livros didáticos (LDs) de Ciências, aproximam ou afastam o ensino dessa disciplina da promoção da justiça ambiental – fator importante para uma educação crítica e comprometida com a emancipação de sujeitos? A partir disso, objetivou-se analisar os sentidos produzidos pelos discursos veiculados nos LDs utilizados por uma escola da rede municipal de Queimados, em um tema que é relevante para a realidade dos habitantes do município: a questão hídrica. O corpus de análise foi constituído por capítulos de dois LDs de Ciências do Ensino Fundamental (5º e 7º anos, anos de escolaridade previstos pela Base Nacional Comum Curricular - BNCC - para a abordagem de questões relacionadas à água), utilizados pela pesquisadora em sua atividade docente na referida rede. As diferentes tendências da Educação Ambiental (EA) brasileira – pragmática, conservacionista e crítica – foram utilizadas como chave de análise da produção de sentidos para as questões ambientais. Tais tendências foram consideradas distintas formações discursivas – conceito fornecido pela AD. Em ambas as análises, foram utilizados exemplares de uso do professor. De maneira geral, os resultados indicam algumas tendências, sendo as principais: (i) no livro do aluno, a tendência conservacionista é a que tem maior apelo; (ii) a tendência crítica é mais frequente no livro do professor do que no livro do aluno; (iii) entre os livros analisados, o LD do 7º ano possui elementos que produzem sentidos marcadamente mais críticos que o LD do 5º ano. Quanto ao fomento à justiça social e à justiça ambiental – em outras palavras, uma filiação ecopolítica – apesar das ambiguidades percebidas em ambos os casos, um dos LDs (7º ano) apresenta importantes contribuições, devido às reiteradas proposições de abordagens críticas, que se furtam de incorrer na simplificação dos problemas ambientais por meio da mera responsabilização individual ou incitação de comportamentos individuais pouco reflexivos a respeito dos problemas estruturantes da crise ambiental. Já no outro LD (5º ano), além do privilégio dado às abordagens conservadoras, também foram observadas escolhas discursivas que podem reforçar estereótipos que constituem um desserviço do ponto de vista do movimento por justiça ambiental. Os resultados obtidos indicam a necessidade de que professores de Ciências e Biologia estejam atentos às mensagens sutis que podem atravessar os conteúdos dos materiais didáticos que lhe são oferecidos e/ou impostos, da maneira mais sensível e contextualmente situada possível, visando a formação de sujeitos capazes de se indignar e se mobilizar frente à realidade socioambiental predatória em que vivemos, seja qual for o lugar social que ocupam. Tal apropriação cautelosa de materiais didáticos contribui para o que Paulo Freire chamou de transição de estados de consciência mágica ou ingênua para a tão necessária consciência crítica, em que sujeitos são capazes de objetivar sua realidade, compreender seus papéis no mundo e sua capacidade de nele intervir.